Quando um político é eleito, é eleito por todos os eleitores. O prefeito não regerá apenas a cidade daqueles que votaram nele, assim como o governador não governa apenas para seus correligionários ou o presidente é presidente apenas de seus simpatizantes. Cada um deles é responsável pela comunidade.
Historicamente, por conta do cidadão ser obrigado a ficar distante das rodas de decisão política com períodos de censura, ditadura, voto limitado aos ricos, ou apenas aos homens e aos alfabetizados, criou-se o hábito de alijar o homem do povo das decisões e resoluções. Nos cabia apenas esperar que definissem as políticas a serem executadas, baixarmos a cabeça e acatarmos.
No subconsciente coletivo isso não mudou. Criaram em nós o hábito de esperarmos que decidam por nós, que os governos façam nós aceitemos, gostando ou não. Para nós, o governo não é nosso, é “deles”, mesmo sem saber exatamente quem são “eles”.
Outro hábito de nós, brasileiros, é o de torcida. Torcemos por qualquer coisa. Talvez por ter sido esse o papel que nos deram na história. “Eles” faziam e nós torcíamos para que desse certo ou errado. Assim foi, por exemplo, com a campanha de vacinação contra a febre amarela, no Rio de Janeiro, encampada por Oswaldo Cruz. Alguém disseminou a idéia de que a vacina fazia mal à saúde, jornalistas desinformados compraram a idéia e a população dividiu-se entre os que torciam a favor e os contra a vacinação em massa. Quase houve uma guerra civil por causa disso.
O Brasil torce por seu time, torce que o próximo papa seja brasileiro, torce por sua miss, torce contra o time do cunhado chato, torce a favor e contra a seleção nacional, torce para que chova, torce para que seu candidato seja eleito, enfim, torce e, na maioria das vezes, sem sequer saber exatamente pelo que está torcendo, sem informações. Não que elas não hajam, elas estão nos jornais e revistas, mas o brasileiro lê pouco, por isso torce apenas baseado na reação do apresentador do telejornal. Se o cara faz cara boa, torce-se a favor; se o cara faz muxoxo, torce-se contra.
Quando juntam-se as três coisas, o escapismo, a torcida e a desinformação, acontece o que vemos à profusão hoje em dia. Tanto na vida real quanto na internética. É um tal de ver gente reclamando do povo que não sabe eleger, do povo que merece o que está acontecendo no país, do povo burro, do povo desinformado, do povo isso, do povo aquilo. O povo somos nós, cada um!
Quem vive reclamando do povo, está fazendo justamente o que desejam os donos do poder que engana o mesmo povo, as autoridades que culpam o povo pela desarrumação geral. Quando Guido Mantega vai aos jornais dizer que a culpa do caos aéreo é do povo que está viajando mais porque tem mais dinheiro nas mãos, certamente ele não está falando do mesmo povo que elegeu e reelegeu Lula. Os críticos do povo, aqueles que têm língua solta para xingar o povo pela sua decisão, são os que voam, pela sua própria lógica.
Esses críticos do zé-povim que dizem que Lula foi eleito por conta das bolsas-sociais ou bolsas-esmolas, se preferirem, são os usuários de aviões, os que resolvem passar um final de semana nas praias nordestinas ou um feriadão na Flórida. O beneficiário das bolsas sequer tem dinheiro para pegar um ônibus para visitar o avô doente em Quixeramobim. Ao criticar “o povo” pelas mazelas do desmando e da falta de autoridade, está se fazendo o que desejam as autoridades incompetentes e com rabo preso, está deixando de lado os verdadeiros responsáveis pela crise de segurança, de autoridade, de probidade no exercício das funções públicas, de saúde, de educação, de moradia, de transporte (e aí não falo do transporte aéreo, mas do cotidiano das cidades com ruas esburacadas, mal sinalizadas, sem veículos de transporte de massa...).
Colocar nas costas do povo a responsabilidade por um país caótico é dar salvo-conduto para os incompetentes no poder. Poderia canalizar essas energias desprendidas contra o zé-povim numa ação contra quem toma conta do puteiro.
Vá lá, digamos que o povo, os outros, é que são responsáveis pela eleição dos calhordas todos, Brasil a dentro. Mas não esqueçamos que esses calhordas são governantes de todos e cada um, não governam apenas para o zé-povim. Aliás, talvez esse seja o mais prejudicado. É o zé-povim que usa o sistema público de ensino, é ele que encara as filas da previdência, que mora em casebres na periferia, que encara horas diárias de ônibus para deslocar-se até seu subemprego. Quem o culpa por tudo o faz no conforto de uma cadeira acolchoada, no frescor do ar condicionado, em frente a um computador de última geração.
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